quinta-feira, novembro 10, 2005


A noite de ontem prometia: jantar maneirinho com os amigos depois de meses de indisponibilidade, umas vezes uns, outras vezes outros, de estarmos todos juntos. Uns copos bebidos com moderação, mas em mais quantidade que o costume, muitas risadas, elogios e todas as coisas que nos fazem gostarmos de termos amigos. Poucos (?) mas bons, no meu caso. No que a amigos diz respeito, cá eu prefiro a qualidade à quantidade. Claro que se poder aliar as duas coisas, tanto melhor. Mesmo assim, o meu rol de amizades é bem composto, e bem homogéneo, como convém, que isto de pensar toda a gente da mesma maneira é de morrer de tédio.
Devido a afazeres profissionais, só conseguimos reunirmo-nos todos no local de encontro por volta das 8 horas, uma hora a mais do combinado. Nada de stressante.
Foi num clima de saudade e muita alegria de estarmos juntos para curtirmos mais uma noite que chegámos ao restaurante, propriedade de um outro amigo. Tudo estava bem e esteve até certa altura quando já nos deliciávamos com uns enchidos da Beira, regados com um bom vinho verde, no caso da maioria, e de um tinto da região de beber e chorar por mais (apesar de estar ligeiramente mais fresco do que deveria). Tudo porque para este jantar tivemos que convidar alguém com quem mais não temos que alguma confiança e muita pena da sua pobreza mental.
Enfim, penso que os meus amigos o fizeram por uma questão de humanidade, até porque o referido elemento tinha tentado o suicídio poucos meses antes.
Com um discurso de vítima - que tão bem a caracteriza - bem regado com vinho, que bebeu quase em doses industriais (nada a que não esteja habituada), e de referência paranormais, monopolizou todas as possíveis conversas de amigos que sempre pensámos ter esse dia.
Um episódio triste, sem dúvida, mas a surpresa da noite estava para acontecer:
Aproveitando uma quase debandada geral da mesa (houve uma pobre alma que ficou a tentar demover a criatura intrusa de uma outra tentativa de suicídio), duas amigas chamaram-me à parte para me dizer que precisavam ter uma conversa séria comigo e com outro amigo. Só
nós quatro. Mas que raio de conversa seria aquela que mais ninguém poderia ouvir? Está bem que éramos, entre todos, amigos mais íntimos, mas o que poderia ser?
É sério, pensei eu. Infelizmente, é sério demais. O meu amigo, que conheço vai para 20 anos, está gravemente doente. Há exames a fazer, despitagens, e eu tenho esperança que a próxima conversa que tivermos sobre este tema seja de alívio e não de rendição à evidência. É que quase todos naquela mesa sabem o que é perder um amigo com uma doença terminal.
É daqueles dias que ficam para sempre gravados na memória, mas, ao contrário do que todos esperávamos, não pelos melhores motivos. Ainda nem todos sabem a notícia - é a ele que assiste o direito de escolher com quem quer partilhar este momento tão difícil - e esperemos que não seja preciso confessá-la a muito mais gente.
Puta que pariu a vida. Uns desperdiçam-na, outros têm que lutar por ela.